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A cidadela se encontrava sitiada
Pelos bárbaros pagãos…
A multidão, desesperada,
Batia à porta da prefeitura…
Não pelo medo da fome ou da morte,
Mas pela possibilidade…
Do mundo deixar de ser cristão.

Os mecenas compravam os soldados
Para protegerem, não suas vidas,
Mas a arte explorada de seus artistas…
Estes, por findo, se abraçavam aos quadros
E às esculturas femininas sem cabeça.
A idolatria tomava todo o reino,
Enquanto que todos aclamavam o milagre em desejo.

De vento em pompa,
Veio voando da abóbada do teatro
O vislumbre de Vênus com suas vestes azuis.
Seu corpo encouraçado de brilho e beleza,
Encontrava-se elevado sobre o útero dos fracos,
A ostra, que, no interior, trazia consigo a pérola negra,
Que atraí a ganância dos homens,
Mas não reflete sensibilidade da luz.

Então a deusa passou pela multidão
E parou exatamente no centro do bulevar.
Num único gesto, ela estendeu a pérola, dizendo:
– Aquele que tiver a coragem de Perseu,
Que pegue sua espada e lute;
Pois o prêmio será o calor eterno da paixão;
Podendo o mesmo escolher qualquer mulher como esposa.

Viam-se os homens de olhos radiantes,
Hipnotizados pela beleza do amor personificado;
Mas essa não era uma época áurea de guerreiros valorosos
Ou de homens que falassem com deuses.
A luta já era praticada pelo medo e pela desesperança.
Assim poderia haver, sequer, um homem com alma de diamante?
– Perguntava-se a deusa já quase que decepcionada.

O vento suave rompeu a praça,
Enquanto que a deusa se virava,
Movimentando, quase que numa sinfonia,
Seus cachos dourados, que brilhavam como o sol.
Ela abaixava o braço, se preparando para partir,
Quando, do nada, lhe surgem o encanto e a ironia:
– Um fidalgo idoso e decadente; pois…
Suas vestes estavam em farrapos e encardidas.

– Perdoe-me o atraso, Mademoiselle…
Todavia, o corpo não acompanha mais
A virtude do espírito, como muito menos,
O calor alvoroçado de meu coração.
Outrossim, vo-la peço desculpas pelos trajes…
Como também pelo linguajar indigno…
Jaz mui tempo que não falo com os deuses.
– Dizia o fidalgo com o sorriso de criança.

– Que ironia de Zeus!!!
Venho até aqui para conseguir um herói,
Mas, pelo que vejo, só me enviaram um poeta.
De loucos o mundo está cheio,
Mas nem os loucos de hoje são…
Tão lunáticos como de outrora.
Por tal motivo, o esquecimento é certo para mim
E para os demais deuses do Olímpio.
– Afirmou Vênus em voz alta perante o povo.

No mesmo instante lhe retrucou o fidalgo:
– Vênus, deusa do amor, da beleza e da fertilidade…
Não chores pelo inevitável, mas mantenhas viva sua chama.
Lutarei contra os árabes e os pagãos e abro mão
Da pérola e da esposa resguardada…
Só lhe apresento um desejo:
-Quero-te um único doce beijo e depois partirei.

– Soldados abram os portões da cidade!
– Ordenou o fidalgo sem mesmices.
Quando os portões foram abertos,
Só se escutava o barulho comum da natureza;
Pois no âmago da burrice,
Não havia inimigo para lutar…
Até mesmo para a deusa,
As coisas se apresentavam sem clareza.

– Quem és tu, fidalgo?
– Perguntou a deusa desconfiada;
Pois somente um deus teria tamanho poder
De fazer aparecer e sumir uma legião inteira
Num piscar de olhos.

– Sou um dos filhos fugitivos de Cronos.
Fui amparado em segredo por Gaia.
Ando pelos reinos de Hades, do ar, da água e da terra.
Meu domínio está sobre todos, deuses e humanos.
Apareço na alegria e na tristeza,
Na saúde e na guerra.
De certa forma, Afrodite,
Sou seu amante anônimo e quase seu irmão.
Tudo que faço só tem sentido contigo,
Como o mesmo contigo em relação a mim.

– Todos os deuses cairão, como os Titãs.
Todo o Olímpio terá seu fim…
Sua conotação será um mero registro da história humana.
No futuro, os diamantes acabarão…
Assim, como a beleza, a juventude e a vida…
Nós seremos os únicos sobreviventes dessa alegoria;
Pois a humanidade começa e termina sob o afago de nossos dedos.

– Tu és a lua, eu sou o sol.
Tu és o céu, eu sou as estrelas.
Tu és o beijo, eu sou o medo.
Tu és o sonho, eu sou a fantasia.
Tu és o pó, eu sou a pedra.
Tu és o tudo, eu sou o vazio.
Tu és o sim, eu sou o não.
Tu és o sono, eu sou a espera.
Tu és o começo, eu sou o fim.
Tu és o Amor, enquanto que me chamo Solidão.

– Não fales minha querida…
Não sejas imprudente como a paixão carnal.
A humanidade precisa de ti para viver,
Enquanto que necessito somente…
De seu doce beijo para fantasiar…
E preparar os solitários para te receberem
Na plenitude do espírito;
Pois só valorizam o amor,
Aqueles que o conheceram tampouco.
– Disse o deus idoso à soberana Afrodite.
A deusa ficou parada,
Olhando para a Solidão,
Que segurou sua mão e lhe deu…
Um leve beijo nos lábios.
Logo após, o deus simplesmente…
A cortejou; dando-lhe um botão de rosa,
e montou no seu bucéfalo;
Seguindo para fora da cidade.
A deusa, simplesmente, desapareceu chorando;
Abandonando a pérola por entre a multidão;
Levando, no lugar, a flor.

* * *
Foi assim que nasceu a arte do cortejo
Através do buquê de flores…
Pelo menos, na minha humilde concepção.

Minha doce marquesa,
Diga-me, por vontade,
Quais são vossas propriedades…
Ou quais são vossas grandezas.

Não… Não me digas nada;
Pois descobrirei teus segredos, sozinho.
Andarei pelo território misterioso de sua alma…
Percorrerei cada centímetro de teu corpo.
Mas, não limitarei vossas propriedades ao físico;
Embora deseje intensamente dedilhar vossa geografia…
Conhecer-te passo a passo, vosso relevo.
Desbravar, em aventuras, vossa mata virgem…
Mapear, por inteiro, vossa cartografia…
Até onde nenhum explorador obteve o êxito em chegar.

Sem dúvida alguma,
Encontrar-me-ei com antropófagos,
Seres que comem a carne de seu semelhante
No intuito de possuir a alma da vítima.
E não estaria o mundo inspirado
Em figuras cruas e bizarras da antiguidade?

Como faço com mundo real,
Sentar-me-ei à roda dos seus aborígines
Contarei fábulas e inspirarei seus espíritos…
Não satisfeito, ainda, (…) comerei parte da refeição,
Na forma determinada pela etiqueta europeia
Antes de partir, brindarei a Vossa Majestade.

Fazer-me-ei uma expedição às profundezas de vosso inconsciente.
Levarei os antropófagos comigo…
E lhes pagarei com a carne de meus inimigos.

Passar-me-ei por guerras civis.
Levarei a liberdade e a justiça aos justos e necessitados.
Colocarei tribos contra tribos.
Perderei amigos e ganharei máculas eternas.
Terei um colar com dentes de tigre.
Meu nome será lembrado como uma lenda
Que nunca morre.

No final de minha jornada,
Sentarei no pico culminante de Vosso mundo,
Arrancarei meus dedos congelados dos pés;
Olharei perifericamente tudo.
Todos dirão que consegui…. Que conquistei tudo!!!
Sem dúvida alguma,
Eu darei aquele sorriso irônico peculiar, questionando:
– Conquistei ou fui conquistado?

Estarei velho e fraco.
Não terei potencial físico para voltar.
A inconsequência, musa e filha dos exploradores,
Aparecerá diante dos olhos e me carregará no colo…
Até o túmulo do esquecimento…

Então, pensarei comigo:
Não… Não me venhas brava,
Com o semblante de um vulcão…
Não me dês avisos de perigo;
Porque não os ouvirei;
Pois sou inconsequente!!!

Diga-me somente aquilo que esperas da vida…
Conte-me teus sonhos, suas fantasias…
Na dúvida ou no silêncio,
Disserte o amor em todos os sentidos…
O que esperas dele e do amante?
O vulto do impossível ou um sorriso incandescente?
Não importas, pois é vossa vontade que…
Determina aquilo que é real ou imaginário…
Aquilo que é detestável e integrante.

Filos… Amor de amizade…
Sentimento mor de afeto ou de amigo.
O amor manifestado na forma mais inocente…
É nele que os relacionamentos têm início,
E é pela ausência dele que eles acabam!

Eros… Amor de amante…
Manifesta-se pela explosão da carne
E o total descontrole do espírito…
É por causa dele que os corpos se abraçam
E se entrelaçam entre os fluídos e os gemidos.
É dele que nascem os irresponsáveis!!!

Ágape… Amor de Sacrifício…
Esse é o pai dos heróis e dos profetas…
Pois tal é o amor que nos pede tudo,
E que não nos dá nada de retorno;
Mas o retorno é desnecessário;
Pois nele se morre por amor
Sem querer qualquer coisa em troca.

Platônico… É o amor ágape puro…
Sem qualquer consciência de sacrifico.
A única diferença é que, neste,
O amante se encontra muito vivo…
Outrossim, distante em seus sentimentos.

São tantas as formas de amar,
Que já perdi a conta e distinção das mesmas.
Pois somente aquele que ama, sabe discernir…
A complexidade emotiva de tais formas ineptas.
Além do mais, só se pode ter certeza do amor,
Quando se ama de todas as formas ao mesmo tempo,
Se tais sentimentos se apropriam de uma única…
Ou de várias pessoas… Não sei!!!

É assim que nasce um poeta…
É de tal forma que nasce um amante… Um explorador!!!
É dessa maneira que vo-la sinto e vejo, minha marquesa…
Como minhas quatro estações…
Como a lágrima que abate o papel e alimenta a pena…
Não importas, pois jamais conseguirei conceitua-la;
Porque um mortal não pode conceituar o amor,
Como, muito menos, sua amante… Minha doce inocência!

Amo-te em corpo, em alma e espírito.
Amo-te como irmã, amante e amigo.
Amo-te como santa, meretriz e ladina.
Amo-te como mortal, herege e banida.
Amo-te em sonho no calor e no frio…
Amo-te em pesadelo, no preconceito e no medo…
Amo-te sozinho, mesmo que não me ames.

Crias dificuldades na vida,
Exaltando como baluarte à dança…
Ah!!! E como danças, minha divina!
Dois pra lá… Dois pra cá…
E teu corpo faz o circuito;
Circundando o salão,
Numa alegoria sedutora.

Saibas, meu amor…
Vo-la admiro em dança…
Admiro-te em estilo…
Admiro-te em audácia!
Afinal, não és a marquesinha do rei…
És a batalhadora cujo corpo…
Emana a arte em movimento.
Tu és o parnasianismo em pessoa…
Ah! Como amo vocábulos antigos em desuso.
Amo mais ainda, a leveza de teu corpo.

Tragas-me deusa,
Tragas-me a ânfora e seu líquido fluente.
Tragas-me a dama e sua flor…
Transformes a estátua em vida…
E que ela venha dançando no puro catalão,
Ou quem sabe, no sapateado do flamengo.

Todavia, deusa…
Não quero as estatuas esculpida pelos gênios greco-romanos.
Não almejo mais a arte ou o culto ao belo…
Pois, desejo-te somente aquela que ludibriou meus olhos…
E que reacendeu o adormecido dentro de mim.
Não quero viver o tempo dos contos…
Mas tão somente amar-te, mesmo que sejas em segredo;
Afinal, duvidas de mim;
Porque sou um simples homem e mortal…
Minha pobre vida se limita ao tempo,
Que está me consumindo!!!

Em último caso,
Chamo-te, minha Paolina deitada,
Prepares as virgens para o teu altar…
Ou que elas fiquem de luto…
No intuito de embelezar meu sepulcro;
Pois decerto morrerei de amor e de desgosto.
E tão logo eu seja o último,
Não haver-se-ão mais amantes,
Mas a guardar-te-ei em afeto e devoção pela poesia,
Que é imortal como a eternidade da alma.

Deixo-te, no epílogo, um elogio…
Afinal, tu és deusa…
Tu és doce como o produto de teu trabalho.
És a caucasiana queimada pelo sol…
O vermelho tímido e natural da terra…
És o vulcão que não eclodiu…
E que não queres parar de sonhar.

Tu és o espaço,
Enquanto que não tenho mais tempo.

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